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Instituições religiosas: lugar de inclusão ou exclusão?

A busca por apoio, refúgio e mudança de hábitos, são alguns dos motivos que levam muitos a frequentarem igrejas

Por Amanda Nunes, Gabriel Fornazari, Mayara Pontes, Naiâne Jagnow e Raíssa Galvão Ribeiro

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma nova categoria religiosa se forma no país: a dos evangélicos não praticantes. São os fiéis que creem, mas não pertencem a nenhuma denominação. Muitos deixam de participar de alguma instituição religiosa por se sentirem excluídos ou rejeitados. Isso acontece principalmente com as minorias, como as mulheres e o grupo LGBTQ+, já que a maior parte das igrejas apoiam um conservadorismo patriarcal.

Os católicos ainda são a maioria, porém perdem espaço a cada ano para os protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. E assim, é cada vez maior o número de brasileiros que nascem em berço evangélico – e, como muitos católicos, não praticam sua fé.

Há novas entidades que buscam uma identificação com o jovem, por meio da proximidade dos pastores, da informalidade dos cultos e da linguagem descontraída e que não oferecem restrições às vestimentas, às tatuagens e aos piercings. Porém, ainda que pareçam liberais, o conservadorismo predomina  e assim empenha-se em coibir o consumo de bebidas alcoólicas, o uso de cigarros e a frequência a bares e boates, além de repudiar a homossexualidade, o sexo pré-nupcial e as relações extraconjugais, preconizando a virgindade e o casamento monogâmico e heterossexual.

Recentemente, o bispo Edir Macedo, um dos principais apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, disse que não deixou suas filhas cursarem o ensino superior para não serem mais inteligentes que os maridos. “Se ela fosse doutora e tivesse um grau de conhecimento elevado e encontrasse um rapaz que tivesse um grau de conhecimento baixo, ele não seria o cabeça. Ela seria a cabeça. Não é isso? E se ela fosse a cabeça, não serviria a vontade de Deus”,  afirma o bispo, usando como exemplo a filha Cristiane, que estava no palco em um culto realizado por ele.

Confira o vídeo:

Este fenômeno religioso nacional também pode ser visto na região dos Campos Gerais. A estudante Anatália Milene Alves (19) procurou em uma Igreja Adventista um lugar de conforto e proteção. “Meu pai é alcoólatra desde sempre, e isso sempre me incomodou bastante. Quando eu tinha uns 12 anos, conheci uma amiga que era dessa igreja e tipo, ali eu vi que poderia ajudar meu pai de alguma forma, e eles falavam bastante nisso”, conta.

Inicialmente, a jovem foi bem acolhida e chegou a participar de rituais religiosos. “Eu comecei no grupo de jovens e conforme eles foram me conhecendo, me convenceram ao batismo, eu fui batizada com 15 anos”, relata. Porém, o acolhimento deu lugar a exigências e repreensões. “Tinha muita cobrança sobre os meus pais não serem da igreja, que eu tinha que ajudar meu pai se livrar do alcoolismo porque essa era minha missão. Eu tinha que salvar o casamento deles porque a família era sagrada”, afirma.

Essas demandas e obrigações deixaram a jovem frustrada e adoecida. “Hoje eu vejo que isso não cabia a mim, mas na época eu levava super a sério e achava que de fato era minha responsabilidade, e isso me ajudou a desencadear várias coisas como depressão e ansiedade. Em um certo momento eu comecei a perceber essas coisas e resolvi sair de tudo”, alega. Afastada há dois anos de qualquer denominação religiosa, atualmente sua percepção mudou em relação a algumas práticas consideradas normais para a doutrina. “Eles fizeram reuniões só com as mulheres pra elas se conscientizarem da forma com que se vestem pra não instigar os homens durante o culto”, diz.

Rodrigo*, de 35 anos, encontrou na igreja um lugar de inclusão e uma forma de mudar de vida. Atualmente, ele mora em outro estado e ajuda na recuperação de dependentes químicos. Na região dos Campos Gerais, ele deixa para trás uma vida de crime e sofrimento. O rapaz se envolveu no mundo das drogas muito cedo, começou como um usuário de maconha e bebidas alcoólicas aos 11 anos. “Daí por diante começou um ciclo: maconha e bebida. Aos 14 anos, eu comecei a levar droga dentro da escola e a revender”, relata. Aos 15 anos começou a usar cocaína e a revender quantidades cada vez maiores de narcóticos, até que começou a ter controle do tráfico de uma determinada região. “Para muitos eu era considerado patrão, eu me sentia um patrão.  Eu tinha poder aquisitivo, tinha arma, tinha mulheres”, lembra.

Rodrigo passou por sete presídios dentro do estado do Paraná, acusado de diversos crimes como porte de arma, tentativa de homicídio e tentativa de assalto. “Dentro da cadeia presenciei algumas coisas. Presenciei mortes. Mortes de pessoas que tiraram a própria vida e algumas que tiveram a sua vida arrancada”, conta. Foi justamente dentro do cárcere que sua vida mudou por causa da religião. “Um parceiro meu, da época dos rolês e dos assaltos,  se converteu ao cristianismo. Nas quarta-feiras era dia de culto lá na cadeia e um dia quando o culto estava quase acabando quando ele chegou em mim e disse ‘cara, eu tenho uma palavra de Deus para sua vida’ e eu pensei ‘o que Deus quer comigo neste lugar?’ e meu amigo me disse ‘eu não sei para onde Deus vai te levar, mas eu sei que Deus vai te levar para um lugar que você possa conhecer pessoas que precisam conhecer o amor dele, que é um amor que vai curar’”.

Atualmente faz 11 anos que Rodrigo deixou a vida de crimes e ajuda outras pessoas. “Eu venho servindo a uma clínica de reabilitação, venho servindo pessoas que enfrentam o mesmo problema que eu sofri”, relata. Ele conta que recebe mensagens de agradecimento com frequência. “Tem pessoas que me falam ‘cara, eu agradeço por tudo o que você fez’, eu só respondo ‘eu não fiz nada, quem fez foi Deus’. A única coisa que é nossa nisso tudo é a alegria. afirma.

Uma de suas passagens favoritas é da crucificação, pois ele se identifica com um dos ladrões que morreram na cruz ao lado de Jesus. “Um ladrão reconheceu Jesus como filho de Deus, e Cristo disse ‘ainda hoje estarás comigo no paraíso’. Ele foi perdoado e foi salvo. Jesus estreou o paraíso com um ladrão”, revela.

*Nome fictício.

Foto: Amanda Nunes
Foto: Amanda Nunes

Efeitos psicológicos da inclusão e da exclusão

Ser bem aceito em um grupo social é extremamente positivo e traz inúmeros benefícios à saúde mental. Em contrapartida, danos psicológicos podem ser desenvolvidos com a falta desse acolhimento, como explica a psicóloga Elaine Aparecida Lacerda, confira o áudio aqui.

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