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Religião afro-brasileira dá voz aos indígenas, negros e LGBTs

Por Kymberly Bueno

No altar da Umbanda os negros têm espaço. (Foto: Divulgação)

No altar da Umbanda os negros têm espaço. (Foto: Divulgação)

Uma religião que acredita na reencarnação e imortalidade da alma, que vê a energia como fundamento e que cultua entidades brasileiras. A umbanda, que recebeu esse nome por causa da linguagem indígena Abanheenga, surgiu no Brasil em 1908, quando um jovem chamado Zélio Fernandino de Morais desenvolveu um comportamento religioso que foi considerado estranho pela família. O rapaz foi levado à um centro espírita e dizia ter incorporado lá um espírito que se apresentou como “Caboclo das Sete Encruzilhadas”. Este, teria sido um padre sacrificado na fogueira da inquisição e na última encarnação, um Caboclo, no Brasil.

O Caboclo, segundo a religião, veio para abrir espaço no meio espiritual da sociedade e dar voz aos negros e índios, simbolizando a igualdade abrangente na espiritualidade. Adeptos à Umbanda dizem que, depois da incorporação, na residência da família de Zélio foi fundado o primeiro centro de umbanda, chamado “Tenda Espírita N. Sra. Da Piedade”. As normas de fé e de práticas teriam sido estabelecidas pelo próprio espírito, que segundo praticantes tem fundamento no evangelho cristão.

Durante sua história, foi chamada de “Allabanda”, depois “Aumbanda”, e só por último se tornou conhecida popularmente como “Umbanda”. A União Espírita de Umbanda do Brasil surgiu em 1939. Em seguida, no ano de 1941 aconteceuo I Congresso Brasileiro de Espiritismo e Umbanda, conferência que colocou princípios de unificações religiosas, raciais e de nacionalidade.

Nesse congresso, foi defendida a ideia de que a Umbanda é uma religião de origem oriental e com alto grau de evolução, eliminando a visão de que suas raízes são brasileiras e afro-brasileiras por se tratar de, segundo os adeptos, de uma religião milenar. Hoje, a instituição responsável por essa unificação é a Federação Umbandista do Estado do Paraná (FUEP), que cuida a atuação dos terreiros em todo o território paranaense. Segundo dados do IBGE, mais de 7 mil pessoas se dizem umbandistas no Estado.

Umbanda em PG

Flores para agradar as divindades (Crédito: Divulgação)
Flores para agradar as divindades (Crédito: Divulgação)

O Nova Pauta conversou com Rafael Miranda, denominado “Pai Pequeno” do Centro de Umbanda Luz de Oxum, localizado no bairro Cipa, em Ponta Grossa – PR. Segundo ele, a Umbanda teve seu ápice de manifestação no Brasil por decorrência da diversidade cultural e miscigenação presente no país. Rafael diz que geralmente as pessoas chegam ao centro de diversas maneiras e por diferentes motivos. Na maioria das vezes são trazidas por alguém que já frequenta ou frequentou um Centro, mas também existem casos onde a pessoa vai à procura de feitiços e amarrações, mas assim que percebe a verdadeira intensão dos rituais, deixam o local.

Pietro Barbosa, um dos médiuns do ‘Luz de Oxum’, explica que normalmente os chamados ‘filhos’ tendem a reproduzir até certo ponto os ensinamentos do ‘Pai de Santo’, porque é a única figura que ele tem como referência. “Por exemplo, uma pessoa que vai à um centro de umbanda e que nunca incorporou, chega sem referência nenhuma, então, ela vai observar a Mãe de Santo ou o Pai de Santo, os seus costumes, os seus hábitos, a forma como incorpora, como os guias trabalham e assim vai desenvolver a sua própria religiosidade”, diz.

Segundo ele, existem casas de umbanda que fazem sacrifício animal e rituais de magia como amarração, mas isso depende da importante formação recebida pelo Pai ou Mãe de Santo. Segundo Pietro, as instruções de certo ou errado “vem das entidades que são incorporadas, e nenhum membro do terreiro deve julgar o seu semelhante”, relata. No Centro de Umbanda Luz de Oxum, a responsável pela coordenação, fundamentação e princípios religiosos é Anice Luiza de Almeida, a “Mãe de Santo” do terreiro.

Mediunidade

umbanda-05-1440x764_cA Umbanda acredita que todos são médiuns, e a diferença está no grau de evolução individual. Quando começa a frequentar o centro, o médium serve de ‘Cambono’, uma espécie de auxiliar da entidade incorporada que está ali para servir tudo o que ela pedir.

Essa pessoa vai saber como utilizar todos os objetos que a entidade determina como parte do ritual. O médium iniciante fica ‘cambonando’ pelos três primeiros meses. Isso acontece para que ele conheça todos os objetos utilizados nos rituais, como a água, o fumo, as bebidas, e também para conhecer todos os santos e as energias que existem no centro.

Diferente do espiritismo Kardecista, que acredita que os espíritos não podem ficar presos em coisas materiais, a Umbanda acredita que cada elemento utilizado nos rituais tem uma simbologia. “A fumaça do cachimbo e do cigarro, por exemplo, são energéticas. Elas trabalham em campos astrais que nossa própria energia não teria como agir. O álcool é uma substância itérica que consegue atingir energias de uma forma diferente e, por isso, a maioria dos guias usa no sentido espiritual, não tragando o cigarro, por exemplo, fazendo com que a substância da fumaça não fique no seu organismo e sim no ar, trabalhando essa energia”, explicam Pietro e Rafael.

Incorporação

Esse desenvolvimento é visto como uma tentativa de evoluir o próprio espírito da pessoa que incorpora. Às vezes, quem incorpora vai ajudar uma pessoa que procura a chamada ‘gira de assistência’, que é quando, como o nome já diz, as entidades dão assistência aos que vem até o terreiro. No centro de Umbanda Luz de Oxum, a ‘gira de assistência’ acontece aos sábados, quinzenalmente, alternando com os encontros fechados, voltados para os médiuns, que estudam a Umbanda e principalmente as entidades e incorporações. Lá, as pessoas que vão em busca de consultas espirituais são chamados ‘consulentes’. Não é cobrada nenhuma quantia em dinheiro para essa assistência. Um valor mensal não obrigatório é cobrado dos médiuns que frequentam o terreiro, para a manutenção, limpeza, compra de produtos como velas, bebidas e cigarros utilizados pelas próprias entidades.

As ‘entidades’

Símbolos sagrados de Umbanda (Foto: Umbanda Uthis)
Símbolos sagrados de Umbanda (Foto: Umbanda Uthis)

 

 Quando se fala de entidades da umbanda, estamos falando de espíritos organizados pelas chamadas “linhas” e cada uma traz uma representação particular. Os chamados Caboclos são espíritos indígenas. Pretos Velhos são espíritos de velhos escravos brasileiros. Os Exus são espíritos menos evoluídos, que quando encarnados foram criminosos ou “pecadores notórios”. Pomba-Gira são equivalentes ao feminino dos Exus, geralmente retratadas como dançarinas e mulheres da noite. E Erês são espíritos de crianças, que segundo Rafael, vem para trazer alegria ao terreiro.

A ‘diversidade’

Outro diferencial da Umbanda é que, apesar de existir a diferenciação entre espírito feminino e masculino, o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo não é proibido pela religião. Segundo Rafael, isso acontece porque a discriminação e o preconceito são coisas criadas pela sociedade, e não existem no aspecto espiritual. O livre arbítrio e a igualdade são pregados na Umbanda.

Atualmente, a diversidade na maneira de atuação dos centros está entre as principais dificuldades de acentuar as vertentes e conceitos da denominação. Mas o que se pode definir como unificado em todos os Centros e Terreiros, é a presença de Oxum, um Deus único e onipresente, da mesma forma, a crença nas divindades, Orixás, reencarnação, karma, guias, entidades espirituais, imortalidade da alma e a lei da causa e efeito.

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