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O desafio das moradias irregulares em Ponta Grossa

Especialistas e moradores de áreas de risco ajudam a entender o problema habitacional da cidade 

Por Gabriel Ipólito, Letícia Domingues, Sabrina Helena e Alexander Maurício

Um levantamento elaborado pela Companhia de Habitação de Ponta Grossa (Prolar) em 2009, mostrou a existência de 165 pontos de favelização na cidade com 6,1 famílias morando em áreas precárias e consideradas de risco, além disso, cerca de 19 mil famílias aguardam na fila de espera para serem atendidas pelo plano habitacional. O Plano Local de Habitação de Interesse Social, elaborado em 2011, denotou um déficit habitacional absoluto de mais de 7 mil domicílios, número que pode passar de 9 mil em 2021, conforme a projeção do PHLIS.

Sandra Scheffer, professora do curso de Serviço Social da UEPG, é uma das pessoas que participaram da criação do PLHIS e explica por que essas ocupações acontecem. “São famílias em situação de precariedade social e econômica que acabam vendo os assentamentos precários como uma estratégia de sobrevivência”, diz. “Além da vulnerabilidade social e econômica gera risco socioambiental”.

A visão de quem vive em áreas de risco

Apesar da redução dos números registrados, existe uma parte da população vivendo em situações precárias à beira de córregos e matagal. Dirce Oliveira, moradora do bairro jardim Maracanã, sofre há mais de 5 anos com o esgoto a céu aberto que passa ao lado de sua residência. “A gente dorme e acorda com medo de que a casa desmorone pra dentro do esgoto ou que as crianças peguem uma doença, mas não podemos sair daqui porque não temos para onde ir”, explica.

Em 2018 foi criado o programa Lar Acolhedor para atender famílias em situações de risco. A lei determina a concessão de benefícios para pagamentos das despesas de moradia de famílias baixa renda. No mesmo ano a companhia registrou uma redução de 40% no número de favelas da cidade.

Através do programa, inúmeras famílias já puderam recomeçar suas vidas longe dos pontos de risco, é o caso do Antônio Carlos, que perdeu móveis e eletrodomésticos várias vezes, devido a inundações no córrego que passava perto de sua antiga casa, Antônio foi assistido pelo plano em novembro de 2014. “Era muito difícil morar lá, você comprava as coisas pra casa, logo vinha a água e estragava tudo. Aqui eu posso ficar tranquilo não tem esgoto e o bairro é tranquilo, eu mudei de vida”, conta o aposentado.

O número de atendimentos é limitado, por isso, a desocupação dessas áreas é feita priorizando os casos de risco eminente. Depois da remoção das famílias, projetos de revitalização tem sido feito para recuperação dos pontos identificados como perigosos para evitar que outras famílias ocupem esses locais.

 

O que são moradias irregulares?

Niziane Madallozo, doutora em Geografia, explica que há dois critérios para definir se uma área pode ou não ser ocupada. O primeiro critério e mais relevante para Ponta Grossa, são as áreas de preservação. Uma casa próxima a um rio, por exemplo, não é propriamente uma residência em local de risco, mas em área não edificante. Essa condição é definida pelo Código Florestal, que determina as faixas próximas ao rio como áreas de proteção e preservação. “A questão da proximidade com o rio tem mais a ver com preservação ambiental. Só se torna um risco para a população quando os rios estão contaminados. Acaba sendo um problema sanitário, mesmo que não haja o risco de desbarrancar ou coisas assim”, observa Nisiane, que leciona no curso de Engenharia Civil da UEPG.

O segundo critério é a questão da declividade. A legislação federal e o código de obras da cidade determina que lugares com mais de 45% de declividade não devem sem loteados. É nesse ponto que Ponta Grossa guarda uma particularidade. “Nossas vias principais se organizam de maneira mais ou menos radial em relação ao Centro, e entre elas sempre há um fundo de vale. Como a nossa cidade se expandiu dessa maneira, usando os espigões, que são as partes mais altas e planas, as populações começaram a ocupar áreas não edificantes, onde há declividade”, descreve.

Em sua tese de doutorado, Nisiane constatou que a metodologia usada pelo IBGE dificulta a obtenção dos dados sobre moradias irregulares na cidade. Os setores censitários, menores subdivisões para obtenção de dados do Censo, incluem cerca de 200 domicílios, enquanto a maior parte das ocupações irregulares em Ponta Grossa são compostas por aproximadamente 15 a 20 casas. Isso faz com que se misturem as informações das partes mais altas e ricas de um bairro com as das partes mais próximas dos rios, onde se encontram as ocupações. Essa mistura pode complicar o trabalho de gestores do município.

“Mesmo que esteja bem intencionado, se ele pegar o dado do IBGE, vai ver que só tem classe média. Porque não tem como isolar nesses dados um grande grupo de pessoas muito pobres. Isso em Ponta Grossa é muito raro. Então é muito fácil de confundir as coisas, dizer que não tem pobreza em Ponta Grossa, ninguém passa fome em Ponta Grossa”, comenta.

 

"Famílias em situação de precariedade social e econômica que acabam vendo os assentamentos precários como uma estratégia de sobrevivência"
“Famílias em situação de precariedade social e econômica que acabam vendo os assentamentos precários como uma estratégia de sobrevivência”

Crescimento urbano e ocupações irregulares

O boom da industrialização a partir dos anos 1960 atraiu moradores que vinham do campo para a cidade, que começava a ganhar uma importância maior. Assim como aumentava a oferta de empregos, crescia também o número de operários, e os salários diminuíam. Os programas de assistência e aluguel social não eram suficientes. “Como a cidade se torna um polo, vem pessoas das cidades menores em volta. E mesmo nas famílias locais, a gente não vê uma mobilidade social. Só se vê um agravamento, porque além da situação inicial, aumenta a população e aumenta a desigualdade social”.

Por conta do preço da terra, os conjuntos habitacionais geralmente são propostos na periferia, longe de serviços públicos como escolas e postos de saúde, se tornando uma opção inviável pra as famílias. “Não é uma questão de ingratidão, ganhou uma casa e não quis, voltou pra ocupação irregular. Claro, ali estava próximo do trabalho, da oportunidade de estudo pro filho, consegue ir a pé pros lugares. Faz muita diferença pra uma pessoa numa situação financeira apertada pagar pelo transporte público”, comenta a professora.

Sandra conta que os governos federais tinham como prerrogativa manter as famílias próximas de seu entorno. “Ali eles tem redes de família, de solidariedade. Se eu realoco pra muito longe isso gera um rompimento dessas redes, o que afeta muitas vezes a fixação dessas pessoas no novo local”, destaca. Ela conta que, nos casos onde é possível, o ideal é regularizar o local onde as famílias já estão.

Casas em área de risco no Jardim Maracanã, em Ponta Grossa
Casas em área de risco no Jardim Maracanã, em Ponta Grossa

Problemas nos programas habitacionais

Apesar dos programas habitacionais serem inciativas do governo, com regulamentação e financiamento facilitado para as famílias, são os proprietários de terrenos que propõe e constroem os loteamentos. Apesar da regulamentação do poder público, esses empresários visam o maior lucro possível com o menor custo, oferecendo terrenos mais baratos, na periferia da cidade. Nisiane afirma que, diante disso, é preciso de um estado mais firme para não aceitar essas distorções.

Essa firmeza não existe, por uma série de questões políticas e corporativas. Por exemplo, quando há pessoas que trabalham na Prefeitura e ao mesmo tempo são ligadas, direta ou indiretamente, a escritórios de engenharia. Essas situações nem sempre são ilegais, pois há a formação técnica. Porém a falta de formação social e de representatividade impacta na maneira que essas políticas são pensadas. “Geralmente o cara que tem formação técnica não veio dessa realidade, ele veio de uma classe privilegiada. Como é que eu que venho dessa classe vou decidir por essa população? Então eu preciso ao menos entender o que elas passam. Por isso a gente deve lutar para ter pessoas de todos os tipos nos cargos de poder e universidade”, ressalta.

As possíveis soluções para o problema

Para Nisiane, a solução poderia ser olhar em pequena escala. Cidades do tamanho da nossa não tem grandes favelas, como no Rio de Janeiro. “Então a gente tem que pensar em soluções para poucas famílias. Onde essas famílias cabem? Eu posso regularizar o trecho onde elas estão? Delimitar até onde se pode ocupar, fiscalizar. Na hora que aparecer uma família, resolver a situação antes que a pessoa fique lá por 30 anos e não tenha argumento pra ela sair”. Outra alternativa seria exigir contrapartidas empreendimentos imobiliários de grande impacto, como doação de áreas para moradia social.

Um empecilho na busca de possíveis soluções são os interesses já consolidados desses empresários, que resistem a abrir mão de ter o maior potencial lucrativo para favorecer quem não tem moradia regularizada. “Realmente, eles estão fazendo uma conta com o potencial que eles tem há 40 anos e de repente alguém vem dizer que não pode mais”, pondera. “Mas quando eu me coloco no lugar da pessoa que vai ser beneficiada com a medida, eu penso que abriria mão do lucro de três daqueles 15 andares pra permitir que a pessoa que eu vejo passando fome na rua possa estar em uma casa, mas aí vira ideologia né”, conclui.

Sandra aponta para a questão econômica por trás do problema habitacional. “Tem que se entender que a pobreza é proveniente do modo de produção capitalista. Por mais que a gente tenha empreendimentos, haverá uma reprodução dessa situação. Então o ciclo vai prosseguir. Ninguém pode dizer que vai acabar com o problema da habitação. Não vai porque teria que acabar com a questão da pobreza e das diferenciações tão grandes entre as classes sociais” afirma.

 

 

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