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Produtos com a suástica nazista e réplicas de veneno do Holocausto são vendidos livremente na Internet

Produtos podem chegar via delivery
Produtos podem chegar via delivery (Foto da Redação)

Materiais alemães da II Guerra Mundial, com suásticas nazistas vêm sendo comercializados na Internet sem fiscalização ou impedimentos. Até mesmo réplicas do Zyklon, veneno que era usado nas câmaras de gás dos campos de extermínio, são encontradas e vendidas como “enfeites”.

Ter um objeto histórico não é crime, porém, conforme autoridades consultadas pela reportagem, quando configurada a apologia ou divulgação do nazismo, quem vende pode ir parar na cadeia. Isso porque, de acordo com a lei 7.716/89, artigo 20, inciso 1, “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”, é crime punível com multa e até dois anos de cadeia.

“Um ponto importante é que esse determinado objeto ou símbolo precisa ter como finalidade a ‘divulgação do nazismo’. Pode ocorrer de uma pessoa ter um livro, por exemplo, que é tratado como um objeto de valor histórico, ou seja, o fim dele não seria a divulgação do nazismo, e nesse caso não incide nesse delito. O simples fato de a pessoa possuir um objeto, sem o intuito de divulgar o nazismo, não é entendido como crime”, explica o delegado da Polícia Civil de Ponta Grossa, Maurício Souza da Luz, que também esclarece que é preciso analisar cada caso, individualmente.

Livros que eram vendidos no shopping de Ponta Grossa
Livros que eram vendidos no shopping de Ponta Grossa

Já do ponto de vista ético ou moral, os questionamentos são direcionados ao fato de se obter lucro tanto com o nazismo, quanto com o Holocausto. Exemplos são vários em todo o mundo. Em 2013, a Ebay tirou do ar produtos que pertenceram a vítimas do holocausto, pediu desculpas e fez doações de 30 mil euros para beneficência como compensação. Também na Ebay, no ano passado, Matt Hart, um policial alemão, foi demitido por vender arame farpado que dizia ser do campo de concentração de Auschwitz. Já a Amazon, este ano, retirou dezenas de livros de autores de extrema-direita, como David Duke, ex-líder da Ku Klux Klan, e George Lincoln Rockwell, fundador do Partido Nazista americano, depois de um pedido do Museu de Auschwitz.

“Particularmente acho imoral qualquer tipo de lucro sobre a dor alheia. Criar memorabilia a partir do holocausto é dar um passo a mais na banalização do que foi a ação dos nazistas. Não há celebração alguma nisso, e usar o resgate histórico como argumento é ridículo. Se assemelha ao sensacionalismo da imprensa sobre uma tragédia”, sustenta o doutor em comunicação e pesquisador de discursos nas mídias, Rafael Kondlatsch.

O advogado Leonardo Silva de Oliveira Bandeira, em artigo publicado em janeiro deste ano, falando sobre a redação da lei de 1989, citada anteriormente, comentou nas considerações finais do trabalho, que “percebe-se que a legislação brasileira não possui disposições claras e suficientes para o combate ao nazismo. Urge a criação de uma lei própria cominando penas e abordando as mais diversas condutas de divulgação e enaltecimento do nazismo com a finalidade de propagar tal ideal bárbaro e ultrapassado”.

Comércio liberado ou não?

Bonecos de Hitler são vendidos
Bonecos de Hitler são vendidos

Enquanto a legislação brasileira se mostra vaga, na Internet, há um comércio livre para esses tipos de produtos, que em alguns leilões chega a ter lances de R$ 2 mil a R$ 3 mil. Alguns tentam disfarçar, borrando ou escondendo a suástica e outros não disfarçam, usam abertamente e fazem a descrição completa do produto, por vezes, até com fotos dos antigos donos. Isso dá a essas peças um valor de mercado maior. Acompanhamos por mais de um ano as movimentações nesse “mundo das negociações”.

Uma coleção de selos nazistas, por exemplo, pode ser encontrada no maior site de vendas on-line de produtos novos e usados do Brasil, por nada menos que de R$ 90 mil. O vendedor é do Rio de Janeiro, de Niterói.

Já distintivos nazistas, vão de R$ 600 a R$ 1,2 mil. Um capacete alemão das tropas de elite Schutzstaffel, mais conhecidas como SS, responsáveis por dezenas de massacres contra civis na Europa, custava R$ 900, pois, “estava em mal estado de conservação”. Quem tivesse R$ 1.950,00 podia ter um boneco do próprio Adolf Hitler, que até a investigação desta reportagem era vendido no mesmo site, disfarçadamente, como “líder alemão”. Dava até para trocar a cabeça do boneco para uma expressão mais furiosa ou mais calma.

Livro de Hitler, das primeira edições, vendido na Internet
Livro de Hitler, das primeira edições, vendido na Internet

O livro de Adolf, que traz suas idéias racistas e supremacistas, o Mein Kampf, podia ser comprado a partir de R$ 20, e era vendido, no ano passado, em uma banca de um shopping no bairro Nova Rússia, em Ponta Grossa/PR. Já uma versão original, em alemão, de 1942 e com tiragem limitada de sete mil cópias, chegava facilmente aos R$ 2 mil em sites nacionais e internacionais na Internet. O proprietário da livraria do shopping citado, nega que atualmente o livro esteja ou mesmo que houvesse feito parte do catálogo dele. “Esse livro não temos. Talvez era no momento em que uma empresa de fora tinha [o livro]. Sempre vem muitas empresas de fora lá [no shopping]. Até por sinal, tivemos um momento em que ficamos juntos, no mesmo período, um do lado do outro”, esclareceu.

Tem de tudo

Uniformes completos, plaquetas de identificação, facas da Juventude Hitlerista, selos, botons, moedas e bandeiras circulam livremente no espaço virtual, disputando o acirrado mercado, que pode colocar esses produtos à venda de R$ 5 até os R$ 90 mil citados no começo deste tópico.

O maior número de ocorrências de materiais foi encontrado no Mercado Livre e a empresa se pronunciou a respeito. Segundo a organização, eles têm como atividade principal o “marketplace, disponibilizando espaço em sua plataforma para que terceiros, devidamente cadastrados e após anuírem aos Termos e Condições de Uso, anunciem a venda de seus próprios produtos e serviços”. “A comercialização de objetos que incitem a violência ou discriminação, incluindo produtos que façam apologia ao nazismo, como imitações de venenos usados nas câmaras de gás durante o holocausto, é expressamente proibida na plataforma. Vale ressaltar que 100% dos anúncios publicados no site possuem um botão de ‘Denúncia’, abaixo da publicação, no canto inferior direito, para que qualquer usuário possa apontar práticas irregulares. A companhia analisa as denúncias recebidas e remove  prontamente anúncios que violem seus Termos e Condições de Uso, penalizando os vendedores conforme regras da plataforma”.

Alguns vendedores faziam questão de colocar que não apoiavam o nazismo, outros nem isso faziam.

Os leilões

Materiais podem ser comprados pela Internet
Materiais podem ser comprados pela Internet

Em leilões virtuais, checados pela reportagem, havia produtos com suástica sendo vendidos de R$ 3 a R$ 3 mil, todos hospedados na empresa “Leilões BR”, com sede no Rio de Janeiro. Em contato com a empresa, a mesma disse que não cabe a ela responder pelos produtos, uma vez que “apenas fornece sistemas para realização de leilões através da Internet”. “Não temos acesso ou ingerência sobre fotos e informações apresentadas para os lotes divulgados nos catálogos. Todo leilão é certificado por Leiloeiro Público Oficial, credenciado na Junta Comercial do respectivo estado, ao qual são informados todos os lotes que serão apregoados. Regularmente, efetuamos orientação aos organizadores sobre importância a fidelidade na descrição dos lotes, fotos e comprovação de origem/documentação”, explicaram por meio de nota.

Os estados com maior volume de mercadorias com suástica ou cruz gamada eram, pela ordem, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Até o fechamento da reportagem, haviam respondido sobre a afirmação da Leilões BR, as Juntas Comerciais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Os cariocas esclareceram que as leis que regem as Juntas não dão margem à liberação dos produtos. “Não procede a informação referente a Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro liberar os produtos para serem leiloados”, pontuaram.

Os mineiros afirmaram que “a Junta Comercial de Minas Gerais esclarece que não é responsável pela liberação e/ou verificação de itens e produtos que fazem parte de um leilão”. O órgão pediu os prints das empresas mineiras que comercializaram os produtos, bem como o posicionamento da Leilões BR, para poderem investigar melhor os casos.

A Junta de São Paulo informou que repudia “qualquer tipo de disseminação de discurso de ódio, preconceito e violência. Os leiloeiros legalizados de São Paulo devem ser cadastrados na Junta Comercial do Estado de São Paulo e a ACSP não possui poder de autorizar ou desautorizar a venda de produtos, nosso papel é ser a voz, o apoio, o facilitador e o agente transformador, que cria um ambiente favorável ao desenvolvimento de quem pilota a locomotiva da economia: o empreendedor”, explicaram.

De forma aberta e fechada

HeinrichHimmler,chefe das SS, visita campo de concentração de prisioneiros. Usa uniforme e insígnias semelhante as que são vendidas na Internet hoje em dia. (Foto: Todo História)
Heinrich Himmler, chefe das SS, visita campo de concentração de prisioneiros. Usa uniforme e insígnias semelhante as que são vendidas na Internet hoje em dia. (Foto: Todo História)

Durante a pesquisa, foi encontrado o site especializado “Panzer Militaria”, de Timbó/SC, que vende desde bustos de Hitler até bonés com símbolos das SS. Em sua página do Facebook a empresa não anuncia tais itens, devido às políticas de uso da empresa que proíbem. Outros sites de militaria vendiam impressos e medalhas do regime nazista. A empresa não usava avisos contra apologia ao nazismo no site.

Porém, no mesmo Facebook, em grupos fechados ou secretos, não há a mesma censura, uma vez que se ninguém denunciar a venda, apenas os membros conseguem ver o conteúdo. O mesmo ocorre em grupos de WhatsApp, que possuem comunicação criptografada. “Sou descendentes de alemães, meu avô foi Sturmbannführer Totenkopf SS, possuo dezenas de souvenires e já vendi um punhal da Hitlerjugend (Juventude Hitlerista) – estava precisando me capitalizar, na época – através da internet. Nem por isso saio argumentando a favor do antissemitismo, da intolerância racial e afins”, defende um dos membros de um dos grupos de Facebook encontrados.

“Acho estranho que milhares de pessoas no mundo (incluindo jornalistas), confundam itens de guerra, que são história, com simpatizantes, necessariamente, do nazismo. Vamos parar com isso! Ridículo!”, escreveu no mesmo post, outro usuário. Ambos criticavam uma notícia que denunciava venda de produtos nazistas pela Internet. Os nomes foram omitidos para não expor as pessoas citadas.

O caminho até a Internet

Membros do Einsatzgruppen, subordinados às SS, matando civis (Foto: Encyclopedia Britannica)
Membros do Einsatzgruppen, subordinados às SS, matando civis (Foto: Encyclopedia Britannica)

Para chegar aos vendedores, muitas vezes os produtos já passaram pelo menos por cinco a 10 donos, o que dificulta o rastreamento dos mesmos, conforme contou uma fonte que trabalha no meio, com leilões dessas peças e que pediu para não ter a identidade revelada. Há ainda os casos das famílias que venderam os pertences dos parentes que foram para a guerra, assim que eles morreram. Nesse caso, segundo a fonte, é mais fácil conseguir documentos para atestar a autenticidade e conseguir um bom preço depois. Há produtos dos parentes de alemães ou trazidos de soldados que lutaram pelos Aliados e trouxeram os itens como souvenires, por exemplo.

A mesma fonte explicou que há uma rota pela Argentina e outra pela Ucrânia/Estados Unidos, de onde é mais fácil importar e revender no Brasil. Em alguns poucos casos, os produtos vêm direto da Alemanha, havendo a possibilidade do comerciante desses produtos tê-los comprado em viagens à Europa, onde há feiras especializadas em militaria, tanto aliada, quanto do Eixo, que eram as forças combinadas de Japão, Itália e Alemanha.

Quando se trata de réplicas de fardas, por exemplo, os mercados exportadores da China enviam pelos Correios ao Brasil. Além do mais, com a facilidade da Internet, dependendo do produto e da origem, ele é entregue na casa das pessoas, tanto pelos Correios, quanto por transportadores privadas.

Comprando gato por lebre

Um colecionador que estuda militaria da II Guerra e que pediu para não ter o nome revelado, explica que boa parte do que vem de fora do país é falsificado. “Mas nem tudo o que é vendido vem de fonte ilícita. Muita coisa vem de venda de família, lixo, excedentes de guerra, etc. E o material da Ucrânia e EUA precisa ser olhado com atenção. Boa parte é falsa. Argentina nem se fala”, explica ele.

Autoridades podem agir

Conforme juristas consultados pela Redação, em caso de suspeita de desrespeito às leis, o Ministério Público pode pedir que os objetos vendidos na Internet sejam apreendidos, mesmo que não tenha sido instaurado um inquérito policial e da mesma forma, pode pedir a instauração de inquérito, mesmo sem ter sido provocado.

Venda de produtos nazistas pode encontrar mercado em ascensão

 

País tem registrado aumento em número de células e membros neonazistas
País tem registrado aumento em número de células e membros neonazistas

Dados da SaferNet Brasil, que trabalha com direitos humanos na Internet, mostram que tem aumentando o número de denúncias de nazismo na grande rede. Conforme divulgado no site de notícias alemão, Deutsche Welle, “foram 3.616 denúncias recebidas pela SaferNet sobre o assunto, referentes a 1.614 páginas diferentes, segundo números consolidados no dia 28 de junho”. Ainda segundo o jornal alemão, “em junho de 2019, foram 31 denúncias, referentes a 25 páginas. O aumento, portanto, é de 11.564%”.

No site que mantém, a SaferNet comenta o perfil dos neonazistas brasileiros. “De forma análoga ao movimento internacional, os grupos brasileiros professam ideias ultranacionalistas, racistas, xenófobas e discriminatórias com apologia, em maior ou menor grau, ao uso da violência. Geograficamente, são identificados em maior número em São Paulo – com grande concentração na capital paulista e na região do ABC -, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Distrito Federal e Espírito Santo. Os grupos fazem uso da internet para divulgar os ideais do sistema”.

A Deutsche Welle lembrou ainda uma pesquisa da antropóloga Adriana Dias, doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que também mostrou crescimento de número de membros de grupos neonazistas no Brasil. Segundo o levantamento de Dias, havia 334 grupos neonazistas em atividade no país no ano passado e agora são 349. Porém, esses grupos estão com mais membros, tendo aumentado de cinco mil para sete mil. Ou seja, entraram dois mil novos membros em seis meses.

Já o advogado, mestre e doutor em Sociologia, coordenador do curso de Direito da UniSecal, em Ponta Grossa, Aknaton Toczek Souza, completa que “tirando raras exceções, daqueles que são aficionados por Segunda Guerra Mundial, colecionadores, ou donos de museus, de antiquários, coisas do tipo (que devem ser minorias nesse caso), que usam esses objetos com finalidade de educação e de ciência, eu diria que o perfil dessas pessoas [que compram objetos nazistas] são justamente esses extremistas, supremacistas brancos”. “O seja, a gente está falando desses grupos, que nós vamos chamar contemporaneamente de grupos neofascistas ou grupo neonazistas, fortemente marcados hoje no Brasil por uma leitura do neoconservadorismo, que têm uma aproximação muito grande desses grupos. Quer dizer, a gente está falando de vários grupos, ou seja, de grupos neonazistas com esses novos movimentos conservadores”, explica.

A Internet potencializa os contatos

No Facebook
No Facebook

Segundo o jornalista e escritor, mestre em Jornalismo, Diego Antonelli, a Internet acaba por facilitar o contato de simpatizantes do nazismo. “A internet ajuda, basicamente, de duas maneiras. Uma é a vantagem do anonimato; de ter a sensação de que nunca será encontrado e descoberto. A outra é a de ser uma ponte para que pessoas que pensem de forma semelhante se encontrem. Assim, grupos em redes sociais e em outros canais de comunicação podem ser formados para que essas pessoas troquem informações e até elaborem atos. Assim, esses grupos formados podem sair da esfera virtual da internet e passar a atuar na vida real, provocando atos criminosos, como racismo, xenofobia, homofobia, agressões físicas e até assassinatos”, acrescenta.

Na Alemanha*

No começo de junho desse ano, a Alemanha também fez uma grande ofensiva contra grupos neonazistas nos estados de Brandenburg, Mecklenburg-Antepomerania e Saxony-Anhalt. Foram apreendidos materiais para análise, como celulares e computadores, mas, ninguém foi preso.

O partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) também está sob vigilância, com o governo de olho em seus membros. Em fevereiro de 2020, 12 membros do partido foram presos para investigação antiterrorista.

Denúncias

Screenshot_20200202-224434_FacebookA Secretaria de Segurança Pública do Paraná informou como devem ser feitas as denúncias de casos suspeitos de nazismo, neonazismo ou crimes de racismo. O número é o 181. “Para casos de emergência (quando a situação está ocorrendo no momento), deve-se chamar a Polícia Militar imediatamente pelo telefone 190 ou pelo aplicativo 190 PR. Além disso, a SESP orienta que, no caso de as pessoas sofrerem este tipo de ação, que registrem boletim de ocorrência, para que o caso seja investigado”, explica a repartição pública por meio de nota.

A Secretaria informou ainda que foram registrados 1.197 ocorrências de injúria racial em 2019, mas, que só uma delas era específica sobre nazismo.

Segundo o delegado da Polícia Civil de Ponta Grossa, Maurício Souza da Luz, há todo um caminho a ser percorrido quando uma denúncia destas chega às autoridades. Segundo ele, os policiais fazem uma averiguação prévia, e se confirmado o caso, lavram um boletim de ocorrências e o delegado instaura um inquérito policial para a apuração dos fatos. “Durante a investigação poderão ser solicitadas eventuais medidas cautelares, tais como a busca e apreensão. Com base nas provas colhidas, o suspeito poderá ser indiciado, cabendo então, ao Ministério Público a análise para oferecimento de denúncia, dando início à fase judicial”, explica ele.

Quando há apreensão de materiais, eles são encaminhados ao Fórum, podendo ser restituídos ou destinados à doação ou destruição. “Durante as investigações, procuramos rastrear a origem de cada um, identificando eventual suspeito que possa estar comercializando em apologia do nazismo, mas isso nem sempre é possível”, completou Maurício, esclarecendo que em Ponta Grossa, há um canal de denúncias via WhatsApp, também de forma anônima, pelo número (42) 99827 9684.

Réplica de veneno do Holocausto é vendido como “enfeite” na Internet

materias_zy (1)Durante a pesquisa neste mercado nazista em expansão, um produto em especial chamou a atenção da equipe de reportagem: réplicas do inseticida Zyklon B e canecas no formato das latas do veneno, que foi usado inicialmente para desinfetar os piolhos em campos de concentração de Hitler. Posteriormente, foi utilizado nas câmaras de gás, devido a sua particularidade de não produzir nenhum cheiro e do potencial rápido e eficaz para assassinatos em massa dos mais de seis milhões de judeus, no Holocausto.

Além da réplica do Zyklon B, outro vendedor comercializava uma Estrela de Davi, de pano, amarela, que teria, segundo ele, pertencido a um judeu de um dos campos de concentração. Ele alegava ser original. A “Estrela de Judeu” era símbolo de discriminação e morte, imposto primeiramente em 1939, na Polônia ocupada, em forma de braçadeira. Mais tarde, em 1941, Hitler tornou obrigatório o uso para todo cidadão judeu dentro dos termos das Leis de Nurembergue. A ideia nazista era tornar visível o “inimigo interno” do regime, e mais tarde, facilitar na identificação e na deportação dos judeus para os campos de concentração.

Uma questão moral

materias_zy (6)Por conta do gosto mórbido do produto, foi levantado junto ao Museu do Holocausto de Curitiba, único museu no Brasil dedicado exclusivamente a temática, a questão moral que envolve a venda de tais objetos e a geração de lucro proveniente de materiais ligados diretamente ao massacre alemão. A direção do museu argumentou que a existência de tais reproduções por si só, não pode ser o foco do debate. “Devem ser duas as discussões: a primeira sobre o uso, a utilização – se para um viés educativo, se para apologia (ou divulgação) ao nazismo ou por mero colecionismo, por mais mórbido que seja. No caso de apologia, a questão envolve uma perspectiva jurídica. A segunda discussão é sobre a comercialização em si. No nosso entendimento, a simples compra e venda de tais reproduções numa plataforma aberta já é condenável do ponto de vista ético, já que dá margem àqueles que buscam a apologia e, consequentemente, agridem a memória das vítimas”, explica o coordenador-geral do Museu, Carlos Reiss.

A comercialização de objetos do período nazista, principalmente de filatelia e numismática, são comuns e do conhecimento do Museu. “É habitual à doação periódica, por parte de colecionadores, de selos e moedas ao acervo do Museu. São conhecidas também as medalhas, broches e insígnias do mesmo período”, relata Reiss. O Museu também reconhece a existência de um mercado de colecionadores, às vezes de simpatizantes nazistas. “Para driblar os algoritmos desses sites, os vendedores normalmente omitem palavras-chave e apagam os símbolos nas fotografias – o que é outra discussão. Fato é que é difícil controlar esse comércio”, completa. Entretanto, o Museu ainda não tinha conhecimento da comercialização de reproduções específicas sobre o tema do Holocausto, como estrelas e as latas do Zyklon B.

Rende um bom debate

materias_zy (5)Ao longo dos anos, são vários exemplos de discussões iniciadas a partir de obtenção de lucro com a exploração da temática, no Brasil e no mundo. Em 2003, durante a construção do Memorial do Holocausto, em Berlim, ocorreu uma grande polêmica. O motivo: a mesma empresa fornecedora do inseticida Zyklon B durante o plano genocida de Hitler, era prestadora de serviço na obra do Memorial e tinha sido encarregada de fornecer um produto químico destinado a proteger as colunas de pichações. Logo após as discussões, a curadoria da fundação responsável pela construção do memorial decidiu rescindir o contrato com a empresa, alegando que seria um absurdo permitir que a Degussa lucrasse mais uma vez com o Holocausto.

Outro caso, mais recente, ocorreu em 2019 no sul da Alemanha. Um leilão colocou a venda peças e objetos, como talheres, roupas, livros e cartas que supostamente pertenceram aos principais criminosos nazistas. As vendas causaram controvérsias e indignação à comunidade judaica. Na época, a Associação de Judeus Europeus se pronunciou pedindo a proibição da venda, em petição direcionada aos partidos alemães e solicitou que a casa de leilão divulgasse a identidade dos compradores. Eles relataram que não era uma questão de ser ilegal, mas sim uma questão diretamente moral.

Sobre os casos trazidos pela reportagem nesta edição, o Museu do Holocausto afirma ser um comércio mais confuso perante a legislação. “Eles envolvem explicitamente reproduções, algumas com descrições de ‘enfeites’, o que torna mais confuso do ponto de vista legal – mas digno de representação criminal e igualmente condenável na perspectiva moral. Este comércio aberto, independente da utilização prática do objeto, já se configura um desrespeito e uma afronta a esta memória”, ressalta Reiss.

Mercado Livre disse que desaprova

“A comercialização de objetos que incitem a violência ou discriminação, incluindo produtos que façam apologia ao nazismo, como imitações de venenos usados nas câmaras de gás durante o holocausto, é expressamente proibida na plataforma”, respondeu a empresa Mercado Livre, onde estava sendo feita a oferta do produto. Eles também disseram que cabe aos usuários denunciar à plataforma, para que os produtos sejam tirados do ar. Até o fechamento desta reportagem, um produto havia sido retirado e a caneca continuava sendo vendida, por R$ 70.

Assinam: Dani Ribeiro, Laísa de Morais e Stefhani Romanhuk, sob supervisão do prof. Helton Costa, do curso de Jornalismo da UniSecal, Ponta Grossa/PR

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