Por João Vítor Pizani
Com a ameaça de colapso do sistema de saúde, a maioria dos estados e municípios brasileiros estão sendo obrigados a adotar o chamado “lockdown”, que é a medida mais rigorosa a ser tomada para desacelerar a propagação do vírus, ocasião em que é restringida a circulação de pessoas em vias públicas e decretado o fechamento de todas as atividades não essenciais. Na pior fase da pandemia, deveria ser considerado essencial apenas os serviços realmente indispensáveis à sociedade, mas não é o que ocorre.
O poder público, ao mesmo tempo em que é pressionado para adotar medidas de restrição no enfrentamento à covid-19, também é pressionado pelos mais variados setores que brigam para que suas atividades permaneçam funcionando. No caso dos templos religiosos é natural que isso ocorra, já que 89% dos brasileiros praticam algum tipo de religião e boa parte deles veem a prática religiosa como fundamental, ainda mais no tempo em que estamos vivendo, e isso acaba, naturalmente, se refletindo na política, sobretudo por cristãos, por ser a religião majoritária no Brasil, principalmente através da chamada “bancada evangélica”, presente no Congresso Nacional e em boa parte das Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais do Brasil afora, e também pela presença desses líderes nos meios de comunicação, vide as inúmeras emissoras de rádio e televisão de matriz religiosa.
A discussão a respeito das atividades religiosas e se elas devem ser consideradas, ou não, essenciais ocorre desde o início da pandemia, em que o seu funcionamento de modo presencial acabou sendo restringido ou proibido diversas vezes por inúmeros estados e municípios brasileiros, o que causou revolta em muitos fiéis e líderes religiosos, que têm denunciado uma suposta perseguição por parte do poder público.
Mas o contrário também pode ser observado. Muitos líderes religiosos, talvez uma maioria menos barulhenta, têm tratado a questão da pandemia com seriedade e, preocupados com a saúde dos fiéis, defendido corretamente a suspensão de cerimônias presenciais e incentivado os seguidores a participarem de atividades religiosas de outras formas, como pelo rádio, pela televisão e pela internet.
A justificativa para manter os templos religiosos abertos durante o “lockdown” difere muito da que é usada para as demais atividades, pois normalmente alega-se que determinadas categorias empregam muitas pessoas e que o seu fechamento poderia causar um desemprego em massa, o que não é o caso das igrejas. Recentemente, um projeto de lei dos deputados federais Rejane Dias (PT-PI) e Cezinha de Madureira (PSD-SP) propôs alterar a Lei de Greves para incluir atividades religiosas como serviços essenciais em períodos de calamidade pública, por considerarem tratar-se de uma necessidade inadiável da comunidade e que, se não for atendida, colocaria em perigo iminente a saúde e a segurança da população.
É inegável a importância da prática religiosa aos fiéis, que são maioria absoluta da população brasileira, mas é um exagero afirmar que a não realização de uma cerimônia religiosa colocaria em perigo a saúde ou a segurança da população, ainda mais considerando que isso só está sendo cogitado porque estamos enfrentando a maior crise sanitária de nossa época, e por se tratar de uma atividade que, mesmo que não seja o ideal, pode ser perfeitamente realizada pelos fiéis em suas próprias casas. Além disso, as medidas de restrição que estão sendo impostas não proíbem ninguém de expressar a sua crença, apenas regulam as condições em que o culto religioso é praticado, e somente quando é feito de modo presencial, por estarmos numa situação excepcional de pandemia.
A pandemia de covid-19 está sendo um período desgastante para todos, em que o isolamento social, o temor da doença e tantos outros malefícios trazidos pelo vírus, incluindo uma crise econômica e social, têm causado grande estresse na população, e não há dúvida de que aqueles que têm uma fé para se apegar estão em larga vantagem nessa batalha emocional que todos estão enfrentando, sendo assim, a religião pode desempenhar um papel muito importante na vida dessas pessoas, conferindo-lhes resistência, resiliência e aumentando a esperança de que dias melhores virão.
Nesse momento, em que o menor deslize pode significar a perda de uma vida, é preciso compreender que incentivar pessoas a irem à templos religiosos é correr o risco de expor esse fiel e sua família ao vírus. Na profissão ou na vida pessoal, a pandemia obrigou todos a se adaptar, e não seria diferente na prática religiosa, buscando alternativas para que possamos continuar nossas atividades do dia a dia da forma mais segura possível, sempre pensando no próximo, que, afinal, é o preceito fundamental da maioria das religiões.
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