Por Gabriel Ribeiro

Após passar por reestruturação, hoje Aneisa mantém as portas abertas na era do Streaming

Juntar toda a família, passar muito tempo olhando para as enormes prateleiras que se estendem até o fim do corredor. Muitas vezes olhar tudo, mas no fim acabar pegando o mesmo filme. Essa era a rotina de muitas pessoas há alguns anos dentro das locadoras de vídeo. Uma tradição apagada do cotidiano da sociedade.

Essa é a rotina dos clientes da Aneisa, a última locadora de filmes da cidade de Ponta Grossa. Localizada na Avenida Gener

al Carlos Cavalcanti, em Uvaranas, Ana Cristina Ferreira,52, mantém viva a memória e experiência de locar um filme para assistir com a família ou amigos.

Como tudo começou

Para entender, temos que voltar há mais de 20 anos. Após Adjair Maciel,51, realizar uma pesquisa de mercado em Ponta Grossa, ele viu que locadoras de filme estavam em alta, já que quem estava no seu auge eram as fitas VHS.

Em sua pesquisa, ele contratou uma pessoa para ir de porta em porta para ver quem tinha vídeo cacete. Os locais da pesquisa foram três bairros grandes que ainda não tinham locadoras próximas, Rio Verde, onde morava, Núcleo Pitangui e Jardim Conceição. “Foi a primeira coisa que fiz. Para saber quem tinha o aparelho em casa e onde costumavam locar as fitas.”, conta Adjair.

Após o resultado do estudo, foi a vez de por em prática a ideia de criar em uma locadora no bairro de Uvaranas, já que não tinham concorrentes próximos e ele conseguia atender os moradores dos três bairros.

O primeiro espaço físico da DVD Center foi a própria garagem de Adjair. Como ele também trabalhava em uma loja de móveis, deixou uma pessoa cuidando do negócio e manteve seu emprego. Após dois anos de atividade, ele decidiu pedir demissão e se dedicar 100% a locadora.

As fitas VHS foram perdendo espaço para os DVDs com o passar do tempo. Foi aí que o proprietário da DVD Center abriu uma locadora somente de DVDs, no centro da cidade. “No começo foi bem difícil. O pessoal que tinha o aparelho de DVD em casa, era tudo de classe média alta, pois era muito caro. Então pouca gente tinha.”, relata.

Com o tempo, os aparelhos foram ficando mais acessíveis, e as locações foram aumentando. Com o negócio a todo favor, ele abriu mais uma unidade, dessa vez em Uvaranas.

Após alguns anos…

A história de Ana com a locadora começou quando ela tinha 37 anos. Ela começou a trabalhar em meio período na DVD Center (Atual Aneisa), pois também era contratada em outro emprego.

Há oito anos, Adjair quis voltar para o ramo de móveis. Foi quando vendeu a DVD Center para Ana. “Ele sempre falava para nós que se um dia fosse vender a locadora, queria que fôssemos nós a continuar seu legado,pois sabia que amávamos o trabalho e iríamos cuidar dela com muito carinho.”, relata a proprietária.

Quando a proposta de compra foi feita, ela viu uma chance de ter sua própria empresa. “Vi a oportunidade de termos algo nosso,nossa empresa”, diz. Com um empreendimento em mãos e muita responsabilidade para manter vivo um legado, Ana decidiu mudar o nome da locadora.

Para evitar brigas, ela decidiu juntar o nome de suas duas filhas e formar o nome de seu novo negócio. “Peguei o nome da mais velha que é Layn Anne e da mais nova que é Isabela.Então ficou Aneisa”, explica.

Durante seus anos de atividade…

A ideia de escolher um filme atualmente é algo tão simples, mas ao mesmo tempo tão complicada. Quem nunca abriu seu streaming e ficou horas e horas procurando o que assistir? Ana conta que na Aneisa não é diferente. “Eu mesma quando era cliente, ficava horas e horas procurando qual filme iria assistir. Os clientes daqui é a mesma coisa.Nós conversamos sobre o filme, ele lê a sinopse e nós damos dicas, falamos sobre curiosidades e às vezes o próprio cliente tem um fato interessante sobre o filme para nos contar”, diz.

Alta demanda

Na época de ouro das locadoras, era comum faltar no estoque alguns títulos, mesmo ela tendo uma quantidade grande do mesmo disco. “Isso acontecia pois o pessoal fazia a locação e não devolvia no dia, era uma briga! Sempre tinha lista de espera para um filme.”, conta a empreendedora.

“Quando alguém passava pelas portas da vídeo locadora, via todos aqueles filmes nas prateleiras, era e ainda é, uma emoção, um verdadeiro mundo de sonhos!”, comenta Ana.

Essa sensação ainda se mantém viva. Pais e mães que cresceram frequentando o local, hoje levam seus filhos para ter a mesma experiência de locar um filme e entrar efazer uma viajem no mundo dos filmes.

Parte burocrática

Algumas pessoas tem dúvidas de como é o processo até o filme chegar nas prateleiras da locadora. Para adquirir os DVDs, é necessário entrar em contato com empresas que representam os estúdios e realizam a compra de quantos exemplares quiser. Não é muito complicado, é o mesmo processo de compra e venda que já estamos acostumados, onde entra em contato com o vendedor e adquire o produto. Essa compra não é destinada apenas para quem revende, amantes de filmes em mídia física também podem adquirir. Atualmente existem poucas empresas que fazem esse serviço, já que a mídia física não é tão usada.

A parte mais demorada é a chegada desse produto até as prateleiras da Aneisa, que leva em média dois a três meses (Esse tempo varia dependendo do lançamento do filme). Por conta da pandemia, esse prazo ficou ainda maior, filmes que estavam previstos para chegar no começo de 2021, estão chegando apenas em novembro do mesmo ano.

Pirataria

Esse foi um fator chave par Adjair largar o ramo das locadoras. Na sua visão, as locaras atendiam o público de classe média e baixa. “O cliente pagava R$ 6 em um filme lançamento, se pegasse dois, sairia R$12. Quando ele passava no calçadão, tinha cinco filmes por R$10. As vezes tinham filmes lançamento que nem saiam na locadora e a já eram pirateados. Isso acabou com a locação”, conta.

Para a proprietária da Aneisa, um título para ter em suas prateleiras, custa em torno de R$50 a R$100, a unidade. Esses valores podem variar, de acordo com filme e seu formato, se é Blu-ray ou não. O que prejudica, já que a pirataria faz o mesmo por um valor muito inferior, obviamente sem a qualidade de um original. “É muito desigual e desleal”, diz.

Ana também acredita que a pirataria foi e é uma grande vilã das locadoras, e que foi um dos motivos para que as mesmas perderem seu espaço e visibilidade. Diferente da ideia de muitos, que acreditam que o grande vilão das sejam os streamings.

Streaming

Atualmente existem inúmeras opções de serviços por assinatura com preços a partir de R$9,90. Ana conta que a grande maioria de seus clientes é assinante de pelo menos um, mas isso não os impede de frequentar a Aneisa. “Tem cliente que tá pagando dois serviços, mas quase não assiste e quando assiste é um filme por mês, ou nem isso”, relata.

Com a grande variedade desses serviços, é muito difícil assinar todos. Mesmo a mensalidade sendo baixa, ao somar todos fica um valor muito alto e não muito acessível. Principalmente para aqueles assinantes que quase não assistem.

Para Jorge Munhoz Junior, 37, que passou pelas três fases dos formatos de filmes, fita VHS, DVD e agora streaming, essa transição é ainda mais fácil para assistir um filme. “Antes você tinha que comprar fita ou alugar na locadora, ou até mesmo emprestar de alguém”, conta. Mesmo tendo coleção de fitas VHS em casa, ele não costuma assistir e prefere ver algo em algum streaming.

Revertendo a situação

Para tentar vencer a concorrência digital, Ana lança promoções em determinados dias da semana, dá um maior prazo de devolução para que o cliente passe mais dias com o filme. Também faz propaganda de sua locadora nas redes socias. “Procuramos mostrar que na vídeo locadora, você vem quando quer vir, você tem todos os filmes em um só lugar. Não precisa ficar indo de um streaming para outro, e você paga um valor justo para assistir quando e como quiser”, alerta.

Com a chegada da pandemia, ela viu a necessidade de se reinventar e reformular seu negócio. Inicialmente começou vendendo doces, pipocas e guloseimas, para acompanhar a sessão de filmes.Hoje, Ana vende um pouco de tudo na locadora. Em 2021, ela apostou nos presentes, como canecas e garrafas. “O pessoal diz que eu vendo até pão se for para vender! E tenho mesmo. Sempre busco ver o que o cliente precisa, para melhor atendê-lo. Sem deixar de lado a locadora”

Questionada sobre a possibilidade de fechar a locadora, Ana tem opinião formada. “A vídeo locadora é minha menina dos olhos. Não pretendo fechar nunca!”, finaliza.

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