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As lutas diárias e históricas pela educação: o massacre de Curitiba de 2015 e as suas sequelas

Por Gabriel Fornazari

O ano de 2020 marca os cinco anos do chamado “Massacre de Curitiba” ou “Massacre de 29 de abril”, quando educadores marchavam na capital paranaense reivindicando o respeito aos seus direitos. Na sede do governo, exigindo repostas aos seus anseios, foram recebidos com gás lacrimogênio, balas de borracha, jatos de água e bombas de efeito moral.

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Os protestos

Os professores marcharam até a capital no dia 27 de abril de 2015, motivados pelo desenvolvimento de um projeto de lei que planejava transferir em torno de 33 mil beneficiários para o Fundo Previdenciário do Paraná Previdência, para aliviar as contas públicas. “Porém, é importante lembrar que esses 33 mil beneficiários nunca contribuíram com o tal fundo, e daqui uns anos o dinheiro não será suficiente para eles”, explica a professora Rosângela Moreira, participante dos protestos.  Além disso, ela completa, outros motivos incluíam atrasos de pagamentos e “uma série de medidas que destruiria a carreira dos educadores”.

Movidos por uma série de direitos retirados, os professores de diversas cidades paranaenses armaram acampamento na sede da prefeitura, e então, no dia 27 de abril, os protestos pacíficos se iniciaram. Em gritos organizados clamando por seus direitos e contra o governador Beto Richa e o deputado federal Fernando Francischini, os educadores seguiram em dias a fio firmes em suas lutas, insistindo na paralisação das aulas e na contemplação de seus direitos.

O massacre

Desde o primeiro dia das aglomerações dos professores na capital, já era perceptível o descontentamento do governo para com os participantes. Carros de som foram rebocados e os protestos dos manifestantes foram respondidos com spray de pimenta e gás lacrimogênio, o que, segundo os educadores, era um presságio para o que estava por vir.

“Na quarta-feira, um dia que nunca vou me esquecer, houve o massacre aos professores, uma das ações mais violentas da PM com jatos de água, gás lacrimogênio, bombas de efeito moral, spray de pimenta e balas de borracha para tentar impedir a manifestação”, relembra uma professora que participou ativamente dos protestos, mas que não deseja ser identificada. O dia 29 deixou mais de 400 pessoas feridas, sufocadas em gás lacrimogênio e, principalmente, para sempre marcadas com as cicatrizes deixadas pelo governo. “Naquela tarde fatídica, me lembro dos atiradores no topo dos prédios da Alep, dos helicópteros atirando de cima, sirenes de ambulância e muitas pessoas sangrando nas ruas”, continua ela.

Protesto em Curitiba termina com manifestantes e policiais feridos. Manifestantes em greve desde segunda-feira protestavam contra o projeto de lei que altera a Previdência estadual (Divulgação/Joka Madruga/APP-Sindicato)
Protesto em Curitiba termina com manifestantes e policiais feridos. Manifestantes em greve desde segunda-feira protestavam contra o projeto de lei que altera a Previdência estadual (Divulgação/Joka Madruga/APP-Sindicato)

Depois dos ataques, os manifestantes adicionaram mais uma causa para sua revolta: a truculenta resposta do governo aos professores. Gritos de justiça eram deferidos nas praças de Curitiba, e a luta se tornou maior do que apenas uma infração de direitos. “A noção de que uma injustiça tão grande foi cometida e que isso não teve nenhuma consequência legal para o governador me causa uma revolta que carrego até hoje”, desabafa a professora Rosângela.

A importância da luta

A professora Dirce Longhi Boito, que lecionou por 35 anos e participou dos protestos. “Tudo o que os professores tinham conseguido até então foi através de muitos protestos, greves e negociações. Se não fossem às ruas, suas perdas teriam sido muito maiores e não deixariam esse exemplo de luta para as gerações futuras”, explica.

A greve e as manifestações duraram, ao todo, um mês e treze dias, chegando ao fim no dia 9 de junho de 2015. O governo estadual chegou à decisão de pagar 3,45% dos salários atrasados em uma única parcela em outubro, e os planos eram de que a inflação fosse zerada em janeiro de 2017, enquanto os servidores também ganhariam o adicional de 1%. Mesmo as decisões não agradando os mais de 10 mil professores em greve, a maioria deles decidiu acatar e voltar com as aulas que estavam paralisadas desde abril.

Cinco anos depois, algo mudou?

Neste último dia 29 de abril, o massacre de Curitiba completou cinco anos. Desde então, o estado do Paraná teve dois governadores depois de Beto Richa: sucessora dele, Cida Borghetti e o atual governador, Ratinho Jr. E, segundo professores, não houveram mudanças expressivas com nenhum dos dois mandatos. “Se a nossa situação mudou, mudou para o pior”, relata uma professora que preferiu não ser identificada. “Fomos gradativamente perdendo direitos, salários defasados sem reajuste inflacionário desde 2016, e também tem havido cortes de verbas da educação”. Já sobre as administrações posteriores ao governo Richa, a professora Rosângela relata que “o governador Ratinho segue a mesma linha que seus antecessores, governa para empresários e pessoas de posse […], segue as mesmas ideias deturpadas do que seja o objetivo da Educação Pública”.

O ensino público continua em desvantagem no Brasil, ainda hoje sofrendo com graves problemas de infraestrutura, investimento, falta de materiais e a evasão escolar, segundo dados do site Nova Escola. Métodos novos são implantados, investimentos minúsculos são feitos, e no final os professores continuam sentindo que não são ouvidos, que não são vistos. “Não somos ouvidos em relação ao que afeta nosso trabalho, as decisões são de cima para baixo, o governo até chegou a implantar sistemas informatizados que eram, supostamente, para agilizar nosso trabalho, mas acabou deixando tudo mais burocrático”, desabafa a professora de inglês, Rosângela.

 “Depois de tudo que ocorreu há uma desmotivação muito forte por parte dos professores, fazendo com que atualmente muitos não queiram participar de manifestações e protestos, já que aos poucos o governo foi retirando direitos e não cumpriu o acordo que ele mesmo propôs”, conta, entristecida, a professora Rosangela, que atua como docente desde 1986.

“Nossa luta jamais pode ser esquecida, […] não há conquista sem luta”, pontua a professora de história já aposentada Dirce Longhi Boito, “Os direitos de qualquer trabalhador na História, desde a jornada de 8 horas diárias, até a carteira assinada; só existem com muito protesto do povo. Há esperança que isso seja entendido na mente dos jovens, e os faça mais conscientes à reivindicação de seus direitos”, finaliza.

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